terça-feira, 29 de junho de 2010

A parábola dos talentos – Rubem Alves

Havia um homem muito rico, possuidor de vastas propriedades, que era apaixonado por jardins. Os jardins ocupavam o seu pensamento o tempo todo e ele repetia sem cessar: O mundo inteiro ainda deverá transformar-se num jardim. O mundo inteiro deverá ser belo, perfumado e pacífico. O mundo inteiro ainda se transformará num lugar de felicidade.

As suas terras eram uma sucessão sem fim de jardins, jardins japoneses, ingleses, italianos, jardins de ervas, franceses. Dava muito trabalho cuidar de todos os jardins. Mas valia a pena pela alegria. O verde das folhas, o colorido das flores, as variadas simetrias das plantas, os pássaros, as borboletas, os insectos, as fontes, as frutas, o perfume… Sozinho ele não daria conta Por isso anunciou que precisava de jardineiros. Muitos se apresentaram e foram empregados.

Aconteceu que ele precisou de fazer uma longa viagem. Iria a uma terra longínqua comprar mais terras para plantar mais jardins. Assim, chamou três dos jardineiros que contratara, e disse-lhes: Vou viajar. Ficarei muito tempo longe. E quero que vocês cuidem de três dos meus jardins. Os outros, já providenciei quem cuide deles. A você, Paulo, eu entrego o cuidado do jardim japonês. Cuide bem das cerejeiras, veja que as carpas estejam sempre bem alimentadas… A você, Hermógenes, entrego o cuidado do jardim inglês, com toda a sua exuberância de flores espalhadas pelas rochas… E a você, Boanerges, entrego o cuidado do jardim mineiro, com romãs, hortelãs e jasmins.

Ditas essas palavras, partiu. Paulo ficou muito feliz e pôs-se a cuidar do jardim japonês. Hermógenes ficou muito feliz e pôs-se a cuidar do jardim inglês. Mas Boanerges não era jardineiro. Mentira ao oferecer-se para o emprego. Quando ele viu o jardim mineiro disse: Cuidar de jardins não é comigo. É demasiado trabalho…

Trancou então o jardim com um cadeado e abandonou-o. Passados muitos dias voltou o Senhor, ansioso por ver os seus jardins. Paulo, feliz, mostrou-lhe o jardim japonês, que estava muito mais bonito do que quando o recebera. O Senhor dos Jardins ficou muito feliz e sorriu. Hermógenes mostrou-lhe o jardim inglês, exuberante de flores e cores. O Senhor dos Jardins ficou muito feliz e sorriu.

E foi a vez de Boanerges… E não havia forma de enganar: Ah! Senhor! Preciso de confessar: não sou jardineiro. Os jardins dão-me medo. Tenho medo das plantas, dos espinhos, das lagartas, das aranhas. As minhas mãos são delicadas. Não são próprias para mexer na terra, essa coisa suja…

Mas o que me assusta mesmo é o facto das plantas estarem sempre a transformar-se: crescem, florescem, perdem as folhas. Cuidar delas é uma trabalheira sem fim.

Se estivesse em meu poder, todas as plantas e flores seriam de plástico. E a terra estaria coberta com cimento, pedras e cerâmica, para evitar a sujeira. As pedras dão-me tranquilidade. Elas não se mexem. Ficam onde são colocadas. Como é fácil lavá-las com esguichos e vassoura! Assim, eu não cuidei do jardim. Mas tranquei-o com um cadeado, para que os traficantes e os vagabundos não o invadissem.

E com estas palavras entregou ao Senhor dos Jardins a chave do cadeado. O Senhor dos Jardins ficou muito triste e disse: Este jardim está perdido. Deverá ser todo refeito. Paulo, Hermógenes: vocês vão ficar encarregados de cuidar deste jardim. Quem já tinha jardins ficará com mais jardins.

E, quanto a você, Boanerges, respeito o seu desejo. Não gosta de jardins. Vai ficar sem jardins. Gosta de pedras. Pois, de hoje em diante, irá partir pedras na minha pedreira…

Rubem Alves
Gaiolas ou Asas – A arte do voo ou a busca da alegria de aprender
Porto, Edições Asa, 2004


Tecendo a manhã
João Cabral de Melo Neto


"Um galo sozinho não tece a manhã:
ele precisará sempre de outros galos.

De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro: de um outro galo
que apanhe o grito que um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzam
os fios de sol de seus gritos de galo
para que a manhã, desde uma tela tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.

E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.

A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balão".

Poesia retirada do sit: http://www.consciencia.net/2006/0117-melo-neto.html no dia 29/06/2010

Reportei-me ao poema de João Cabral de Mello Neto, para enfatizar a grandeza do trabalho em equipe. Trabalho que conduz ao aprendizado e intervenção.

Trabalho solitário raramente produz efeito positivo.

Filopsicanalizando e outras prosas...

Desde que o conceito de "conhece-te a ti mesmo" fez que o homem deixa-se de olhar apenas para a phisis e sua existencia em seus elementos fundantes - fogo, água, terra, ar e, quem sabe, o átomo (o que não se pode cortar) - e fez que os pensadores olhassem para o homem, enquanto ser, sua vida, enquanto existência; nenhum homem poderia mais ser reduzido a um simples "bipede implume", que o diga Kierkegaard, Nietzsche e mais atualmente Sartre.

A filosofia parece se ligar muito mais ao ser humano do que aos enigmas "inescrutáveis" do universo. Não obstante ser o ser humano tão inescrutável como o universo. Por falar em universo, não é assim que Freud "encontrou" na mente humana e seus seguidores o sondaram? Não seria a Psicanalise - freudiana, jungiana ou lacaniana - um modo (ferramentas) de explorar a mente-espirito-alma humana?

Essa é a primeira consideração que faço: a inter-relação entre filosofia e pscanálise torna-se uma sibiótica união... no qual do objeto - mente - tem muito a dizer aqueles que querem aprender sobre si, mas também acerca do outro! A mente que faz o pensar - agente, também se apresenta como objeto... Não sei qual será o resultado disso que apenas comecei a dizer, mas que foi que disse que Sócrates sabia que suas ideias lhe dariam direito a uma taça de sicuta?

NÃO PERCA OS MOMENTOS BONS


Existem momentos que achamos que a vida é uma droga, que ela não é nada daquilo com que sonhamos. Uma amiga sempre me dizia que nosso grande erro é que só olhamos muitas vezes para frente, esquecemo-nos de olhar ao redor e verificar quantas pessoas queriam enxergar como nós, andar, falar, pensar e são impossibilitadas, mas nem por isso passam a vida lamentando como nós. Deixe suas queixas para quando houver real razões para elas. E acredite sempre "Quem tem Deus tem Tudo". Aproveito a ocasião para deixar um breve resumo da história "Os Morangos" de Rubem Alves para reflexão:
"Um homem estava numa floresta escura. De repente ouviu um rugido terrível. Era um urso que dele se aproximava. Aterrorizado, começou correr, mas caiu num precipício. No desespero da queda agarrou-se num galho e ali ficou. Foi então que, olhando para a parede do precipício, viu um pé de morango. E nele, morangos gordos e vermelhos. Estendeu o seu braço, colheu o morango e o comeu deliciosamente".
Conclusão: Não perca os momentos bons que a vida está lhe oferecendo, mesmo quando você se encontra em situações difíceis. Pode chegar um momento em que você tenha que dizer: "Que pena que não comi com alegria o morango". Mas aí será tarde. Lembre-se: o passado já foi. A única coisa que temos é o momento presente. Portanto, não perca os momentos bons.

Livro "Os Morangos" - Rubem Alves

Criação do BLOG

Está sendo muito interessante os meus primeiros momentos nesse novo mundo virtual (pelo menos para mim). Estou descobrindo coisas que eu sabia que existiam mas não fazia idéia como eram. Também encontrando BONS AMIGOS que estão me ajudando nessa nova descoberta. Estou conseguindo "informações" para esse novo "conhecimento".

sexta-feira, 25 de junho de 2010

O escorpião de Frei Anselmo

D. Lourenço de Baena, homem bondoso e simples, possuía uma considerável fortuna. Um dia, porém, aconteceu que a má sorte entrou em sua casa, e desde então as calamidades se sucederam numa série ininterrupta. Um de seus barcos, que regressava com tecidos da China, foi saqueado pelos piratas. Naufragou outra caravela de mercadorias, que D. Lourenço havia comprado. Enviou um comboio de prata às províncias do Ocidente, e os índios o assaltaram. Mas não foi isto o pior. Seu filho único, que ia neste comboio, foi escalpelado pelos índios. Sua esposa, esgotada pela dor, morreu algum tempo depois. D. Lourenço sofria tudo com cristã resignação. Quando sua ruína foi completa, seus amigos o abandonaram, e teve que vender sua casa e até seus móveis. Um dia se dirigiu ao convento de San Diego. Vivia ali um santo homem, chamado frei Anselmo, sempre disposto a ajudar a quem a ele acudisse, caritativo e desprendido ao extremo. Sua cela era a mais pobre do convento, e seus hábitos estavam cobertos de remendos. Ele dava tudo o que tinha, e seus irmãos já não lhe davam mais hábitos novos, pois sabiam que se desfaria deles num instante, para socorrer os necessitados.D. Lourenço lhe contou todas as suas misérias. Sabia que um barco carregado com sedas da China estava para chegar. Se alguém lhe emprestasse 500 pesos, poderia comercializar com essas mercadorias e sair de sua angustiosa situação. Frei Anselmo estava muito penalizado, porque já não tinha nada para poder ajudar tão bom homem. Então um escorpião começou a subir lentamente pela parede. O frade o recolheu cuidadosamente, envolveu-o num pano e o deu a D. Lourenço, dizendo:— É a única coisa que tenho, irmão. Leve-o à casa de penhores, para ver quanto lhe dão por ele.D. Lourenço fez o que o frade lhe tinha indicado. Apresentou-se à casa de penhores, temeroso e envergonhado, e entregou o embrulho. E quando esperava que o despedissem rudemente, tomando sua ação como burla, viu-se surpreendido pela exclamação de admiração que o comprador lançou, ao abrir o pacote. Em seu interior havia um escorpião de filigrana de ouro, adornado de esmeraldas, rubis, diamantes.Recebeu por ele três mil pesos, e saiu para San Diego de Acapulco, aonde acabava de aportar à embarcação esperada. Voltou ao México com as mercadorias e as revendeu rapidamente. Isto lhe serviu de base para reavivar seus negócios, e logo pôde recuperar seu antigo capital.D. Lourenço voltou a ser riquíssimo, mas não se esquecia de tudo o que devia ao humilde frade. Um dia, querendo recompensá-lo, foi à casa de penhores, comprou o maravilhoso escorpião, embrulhou-o cuidadosamente e o levou. Frei Anselmo recebeu o presente, e tranqüilamente abriu o pacote. Tomou cuidadosamente o escorpião e o colocou na parede, no mesmo lugar de onde o havia tirado no dia em que o deu a D. Lourenço. E disse:— Segue teu caminho, criatura de Deus.E o precioso animal, convertido de novo num vulgar escorpião, começou a caminhar lentamente.(Fonte: V. Garcia de Diego, "Antología de Leyendas de la Literatura Universal" - Labor, Madrid, 1953)